Como o yoga chegou no Ocidente?


A história de como o yoga chegou no Ocidente, no século 18, é pouco conhecida pela atual geração de praticantes. Recentemente participei do curso “A História do Yoga no Brasil” do professor Roberto de Andrade Martins, onde ele contextualiza com a chegada do yoga no Ocidente. O professor Martins é físico, filósofo, historiador da ciência e lecionou sobre o pensamento indiano em cursos de extensão e graduação em Yoga. Interessante que tudo que vemos em muitos livros e na internet sobre o assunto são cópias repetidas de blogs e sites, o que acaba por resultar numa história seletiva, contada a partir de grandes personalidades do yoga e seus seguidores. Atualmente, universidades dos EUA e Inglaterra tem desenvolvido o projeto Modern Yoga Research que busca conhecer as origens do yoga por meio de pesquisas baseadas em análises de fontes primárias mantendo distanciamento crítico dos personagens ou instituições estudadas. Um exemplo é o livro de Elizabeth de Michelis, "A history of modern yoga" (2004) que analisa as influências esotéricas no surgimento do yoga moderno internacional.

Que bom que agora podemos conhecer mais dessa história! Assim, nesse primeiro texto, gostaria de abordar a primeira parte: quando o Ocidente descobre o yoga. O professor Martins revela que os livros ingleses do século 17 ao 19 se referiam aos ascetas (pessoas que se entregam às práticas espirituais no Oriente) como “faquir”, que na verdade é um termo para ascetas muçulmanos, enquanto os ascetas indianos eram yogis. A falta de conhecimento da cultura oriental era tão grande que para os ingleses não havia diferença. Nessa época, ilustrações distorciam a religião hindu, comparando a cultos ao demônio.

As primeiras obras do pensamento indiano começaram a ser traduzidas no século 19. Em 1785, por exemplo, o orientalista inglês Sir Charles Wilkins traduziu pela primeira vez Bhāgavād Gitā e fez uma gramática do sânscrito. O juiz britânico William Jones traduziu o Código de Manu (Manusmriti), em 1796, que reúne as leis religiosas, morais e civis da época. O professor francês Anquetil Duperron traduziu 50 Upanishads (textos religiosos hindus), em 1801. Foi então que pensadores da época começaram a estudar essas obras, como os filósofos Arthur Shopenhauer e Freiderich Schelling.

No século 19, missionários intensificaram estudos sobre as filosofias e religiões indianas como forma de buscarem argumentos para a conversão dos nativos. Em 1819, o professor Horace Hayman Wilson publicou o dicionário sânscrito-inglês que tem o primeiro verbete sobre yoga, baseado em pesquisas e citações do Bhāgavād Gitā e do Yoga-Sūtras de Patañjali. Nessa segunda fase, a elite cultural europeia começa a se interessar pelo yoga. Uma coleção se destaca, “The Sacred Books of the East”, com 50 volumes, coordenada pelo linguista alemão Friedrich Max Müller e publicada entre 1879 e 1910. Essa produção é até hoje uma referência de pesquisa. Durante a colonização da Índia pelos britânicos ocorre um processo de aculturação dos indianos, ao mesmo tempo em que grupos esotéricos, como a Sociedade Teosófica, passam a misturar a filosofia indiana com o esoterismo e o ocultismo do Ocidente. Que confusão, não é? Mas vai piorar, segue a leitura.

Durante o império colonial britânico na Índia (1857-1947) a cultura europeia foi abertamente imposta em áreas como religião, legislação, alimentação, medicina, costumes e valores. Um exemplo, o Barão Macaulay (Thomas Babington), membro do Conselho Supremo da Índia, estimulou o ensino da língua inglesa e a criação de uma elite indiana. O objetivo era que os ingleses fossem representados "em gosto, em opiniões, em moralidade e em intelecto", segundo escreveu na Minuta sobre Educação, em 1835. A influência foi tão grande que surgiu o movimento Brahmo Samaj, que rejeitava as antigas escrituras, normas e divindades, em defesa do cristianismo. Esse movimento começou em Calcutá, em 1828, sob a liderança dos rajás Ram Mohan Roy e Dwarkanath Tagore. Em 1848, Debendranath Tagore (filho de Dwarkanath), transformou o movimento em uma religião chamada Brahmoísmo, que rejeitou todos os rituais hindus.

Uma terceira fase do movimento, após 1860, foi liderada pelo filósofo Keshub Chandra Sen, que passou a defender práticas cristãs. Em 1876 ele passou a dividir o movimento em três categorias: Shabaks (prática de caridade), Bhaktas (devotos religiosos) e Yogis (prática de meditação). Essa divisão foi a base para, 20 anos depois, o guru Swami Vivekananda conceituar Jñana, Karma, Bhakti e Raja. Vivekananda participava do movimento liderado por Chandra Sen e aderiu a uma leitura cristianizada da filosofia Vedānta. Um exemplo do guru bengali foi o seu conceito de Karma-Yoga “fazer o bem para os outros”, um valor cristão diferente do exposto no Bhāgavād Gitā, onde Krishna explica que é a ação sem apego para alcançar o Ser Supremo. Bhakti-Yoga foi conceituado por ele como “devoção a Deus”, ignorando a tradição dos deuses e deusas do Hinduísmo.  

A influência do movimento Bhahmo Samaj foi notória e passou a ser estudada por indianos como se fosse uma tradição antiga. Outra mudança que causou essa revisão das tradições e da religião foi a busca, pelos indianos, por explicações médicas sobre o corpo sutil, para atender as necessidades ocidentais. Swami Hamsasvarupa, por exemplo, publicou o livro "Shatchakra Niroopan Chittra" no qual identificou os cakras (chakras) com aspectos do sistema nervoso.  No final do século 19, uma elite cultural indiana havia aderido à cultura, religião e ciência ocidental misturando essas influências com ideias indianas antigas. Ficou cada vez mais difícil encontrar na Índia a autêntica tradição religiosa e filosófica, e também, o antigo yoga.

Ocultismo, Esoterismo e Yoga
Os movimentos ligados ao esoterismo e ocultismo buscavam todo tipo de conhecimento mágico e espiritual de civilizações antigas. A prática de yoga (até então conhecida apenas a meditação) era considerada um dos múltiplos componentes dos estudos esotéricos. O maior movimento na época era a Sociedade Teosófica (ST), sob liderança da escritora russa Helena Blavatsky (1831-1891) que dizia receber mensagens espirituais de mestres do conhecimento antigo. Os teosóficos mantiveram contato com o movimento Arya Samaj (ramo do Brahmo Samaj), sendo recebidos na Índia, em 1879, pelo Swami Dayananda. Alguns anos depois, em 1905, é fundada a sede teosófica em Madras (atual Chennai), na Índia. Nessa época a Sociedade Teosófica passou a se interessar pelo yoga (Raja Yoga), porque acreditava que ajudaria a despertar poderes ocultos. Até então, o Hatha Yoga era visto apenas como um conjunto de práticas físicas. Apesar disso, a Sociedade Teosófica promoveu a tradução de três obras antigas e importantes: "Gheraṇḍa Saṁhitā", "Haṭhayoga Pradīpikā” e “Śiva Saṁhitā”. O curioso destaque vai para uma publicação, em 1896, no periódico The Theosophist que alertava que a prática de Hatha Yoga trazia riscos como insanidade, doença e morte. A sucessora de Blavatsky à frente da ST, Annie Besant (1847-1933) procurou estudar textos indianos fundamentais com ajuda de brâmanes. Em 1908, ela publicou o livro "An Introduction to yoga".

E quem aí já leu algum livro do Yogi Ramachāraka? Pois então, esse era o pseudônimo do escritor e ocultista norte-americano William Walker Atkinson, que não tinha nada de yogi. Ele fazia parte do "New Thought", um movimento que desenvolveu a ideia do poder mental para produzir cura e transformações. Os livros de Atkinson eram baseados no pouco conhecimento que tinha sobre o pensamento indiano somado, em grande parte, a ideias ocidentais. E saibam que os primeiros professores, praticantes e curiosos do yoga no Ocidente se basearam muito nos livros dele acreditando que tudo era original. Naquela época não havia meios de checar informações tão facilmente como hoje.

Na próxima parte desse texto (em breve) vamos saber como toda essa salada de informações sobre o yoga veio parar no Brasil.

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