Mas afinal, o que é a tão falada positividade tóxica?



Vivemos um momento de polaridade no mundo, embora sempre tenha existido o radicalismo na política e na religião, agora temos até na ciência. Estamos num momento de quebrar paradigmas, chega de racismo estrutural e de atitudes machistas. Um momento de reescrever a história numa ótica mais humanista. O que alguns chamam de “atos revolucionários” são importantes para a transformação da história, mas algumas atitudes podem parecer bem-intencionadas só que com uma linguagem radical. Me refiro a onda que aponta tudo (radicalmente tudo sem intenção de explicar exceções), como “positivismo tóxico”. Segundo esse movimento, falar para você pensar positivo, identificar o que lhe traz estresse e raiva, passou a ser positivismo tóxico. Esse movimento diz que está tudo bem sentir raiva e explodir. Está tudo bem não conseguir se acalmar ou meditar, porque na verdade o positivismo é que faz mal.

Devemos entender que cada pessoa tem uma necessidade, algumas estão de fato ansiosas por não conseguirem alcançar uma vida mais equilibrada, e para esses, é sim importante essa abordagem de alerta de toxicidade. A obrigação de estar bem o tempo todo (como se silenciar os sentimentos negativos fosse de fato acabar com eles), não faz bem. Ninguém é capaz de estar bem consigo mesmo o tempo todo, nem mesmo o Dalai Lama deve conseguir isso. Acolher funciona melhor do que palavras motivadoras, mas o que tenho visto nesse movimento “anti-positivismo tóxico” é uma falta de explicação para que as pessoas possam identificar o que é e o que não é tóxico. 

Pessoas ansiosas que seguem perfis nas redes sociais onde influencers mostram uma vida plena, feliz, meditando na natureza, comendo alimentação saudável, com corpo em forma, usando cosméticos naturais acabam por piorar o quadro de ansiedade. E esse movimento até rotulou esses perfis de “essa gente gratiluz”. A ordem é (e isso é sim o melhor a fazer) dar um “unfollow”, deixar de seguir e buscar alguém com quem você se identifique e não seja tóxico. O que não significa que é proibido postar, em algum momento, algo positivo como uma alimentação saudável ou uma prática de yoga na natureza, por exemplo. O que é preciso é buscar equilíbrio, tanto de parte do influencer quanto de parte do seguidor. O discurso da “positividade é tóxica” busca como exemplos pessoas mal-intencionadas, que almejam lucro vendendo, por exemplo, como você pode atrair dinheiro pensando positivo. Ou um professor de yoga que quer atrair alunos para um super curso online com preços exorbitantes. Ou ainda, uma vida "gratiluz" que você precisa ter, inclusive comprando os produtos ali exibidos. Até aí, acho necessário e saudável alertar as pessoas para esses aproveitadores das emoções alheias, que de gratidão e luz, nada tem. Mas quando falamos em positividade não significa que você tenha que fingir que está tudo bem quando não está. 

Observe que não se trata de uma questão de “cultura rígida que valoriza o que que é bom ou ruim, negativo e positivo”, ou que “se afastamos as emoções difíceis, perdemos a capacidade de lidar com as coisas do jeito que elas são”. A questão é (e sempre abordei isso nos meus cursos de yogaterapia para estresse e ansiedade), identificar o que lhe traz pensamentos e emoções ruins e não ignorá-las ou fingir que está tudo bem. Não é jogar para debaixo do tapete qualquer incômodo, pois todos os sentimentos têm uma função e é a partir deles que você identifica seus padrões e o que pode ser mudado. Não adianta digerir um sentimento sem saber o que ele significa, sem desenvolver o autoconhecimento e discernir o significado. Do contrário, vai ficar digerindo seus sentimentos ruins para sempre. O que vejo que faltam nos posts contra a “tirania da positividade atual” é explicar para seu público as diferenças, pois, do contrário, estão construindo uma onda de pessoas que não vai conseguir (nem querer), tratar suas emoções.

Sim, cada pessoa é de um jeito e nenhum blogueiro pode lhe dizer como é o processo de se conhecer, se é tóxico ou se não é. Eu vejo o movimento anti-positividade tóxica dizer: “tá com medo, sinta medo, tá com ciúmes, sinta ciúmes”. Isso realmente ajuda? Sentir sua verdade emocional é importante para você se conhecer, mas não lhe dá passaporte para ser uma pessoa que você não quer. Se você tem um histórico de raiva, impaciência, descontrole e isso lhe faz mal (para você, para seu trabalho e para as pessoas a sua volta), porque ouvir “tá tudo bem” se você sabe que não está e não quer continuar com esses comportamentos? Sim, não é legal uma pessoa relatar problemas e você dizer para ela “vai meditar e fazer yoga, vai resolver tudo, resolveu pra mim”. Claro que apenas frases motivadoras não vão ajudar ninguém. O que ajuda é ouvir e acolher para saber o que a pessoa realmente pode precisar. Então vemos posts nas redes sociais sobre “Ah, qual a frase de positividade tóxica que você não aguenta mais ouvir kkkkk”. Isso ajuda?

No mundo do yoga vemos questões que só quem é instrutor entende, como, por exemplo, sobre  os Sutras de Patanjali. A obra não teria “nada a ver com yoga”, ou ainda, é a “yoga dos reis e não a yoga marginal, que é o hatha yoga e que é mais legal”. Vemos ainda manifestações de que Patanjali está errado em falar sobre cessar as flutuações da mente, porque precisamos do corpo para transcender. Quando estudei Patanjali  para minha formação, em nenhum momento me disseram que o livro dele era um tratado de hatha yoga (que usa as sensações do corpo para transcender), sempre foi voltado para a meditação, onde sim, cessamos a mente.  Mais uma vez, o radicalismo sem explicar as diferenças. Ou ainda, que a tradição tantra é a verdade, e não o que diz a filosofia vedanta, como se agora os ramos filosóficos milenares virassem times de futebol. Sim, como diz a filosofia não-dual (advaita), somos a própria manifestação divina, quando entramos em contrato com essa manifestação de puro amor, nos libertamos. Ou, se preferir o aspecto pessoal da filosofia dual (vaita), você é uma alma individual, e bhagavan é o Ser Supremo.  

Ainda sobre o movimento anti-positivismo tóxico, já vi posts questionando “Ah mas todo mundo tem que ter esse tal de despertar espiritual?” , ou seja, a “toxidade do despertar espiritual”. Veja, se todos somos um ser divido, podemos acessar esse despertar naturalmente ao longo do processo de autoconhecimento, sem precisar fazer um retiro de meses ou de uso de técnicas complexas. Em resumo, o despertar espiritual é um processo transformador que envolve adquirir a consciência de que se é muito mais do que apenas um corpo e uma mente. Simples assim. “Ah e se eu não despertar pra isso?” Lembre-se que o caminho já é o despertar, assim como o yoga é a prática da postura e não a postura perfeita.

Para finalizar, o que tem me deixado mais triste é que a maioria dos que estão no movimento da “anti-positividade tóxica”, de alguma forma, também estão vendendo algo. Criam polêmicas para atrair mais cliques, seguidores (ou haters) e ganhar algum dinheiro com horas de visualização de seus vídeos ou vender algum curso online. Só resta alertar que você tenha leveza nesse momento de polaridade no mundo, de debates exaltados e julgamentos (sim, todos nós julgamos, mas não dói nada pensar mais antes de julgar). Deixe de seguir quem lhe é tóxico (ainda que sejam aqueles que querem alertar que os outros é que são tóxicos), e não ligue se lhe disserem que está deixando de seguir porque quer apenas ficar no seu "mundinho confortável". Só você vai encontrar seu autoconhecimento, o que você realmente precisa e o que “está tudo bem” para você. Não há obrigação de estar bem o tempo todo, mas se você quer estar bem, não sinta-se culpado.

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